Com uma frequência eventualmente maior do que a que seria expectável, são dadas a conhecer decisões judiciais sustentadas em meios de prova indiretos, designadamente presunções, alicerçados nas “regras da experiência comum e do normal acontecer”, não obstante a indeterminação de tal conceito.
Pese embora sejam legalmente admissíveis enquanto “meios lógicos de apreciação das provas, (…) meios de convicção.”, as presunções e deduções não podem ser afirmações infundadas da verdade material, pois que a livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade, sendo “uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições exteriores.” (cfr. Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232 e ss.).
Acrescidamente, tem considerado a jurisprudência estrangeira, nomeadamente a do Tribunal Constitucional Espanhol, que “a presunção de inocência não proíbe que a convicção judicial no processo penal se fundamente na aprova indiciária”, desde que a prova indirecta ou indiciária cumpra quatro requisitos: “i) a base indiciária, plenamente reconhecida mediante prova direta, seja constituída por uma pluralidade de indícios, ii) que não percam força creditória pela presença de outros possíveis contra indícios que neutralizem a sua eficácia probatória e iii) e que a argumentação sobre que assente a conclusão probatória resulte inteiramente razoável face a critérios lógicos do discernimento humano.”, (cfr. Ac. do Tribunal Superior Espanhol n.º 190/2006, de 1 de março).
Ou seja, “o tribunal deve explicar o raciocínio em virtude do qual, partindo dos indícios provados, chega à conclusão da culpabilidade do arguido”(cfr. Ac. cit.).
Assim, em cada caso concreto, a socorrer-se de prova indireta, o tribunal decisor tem de deter indícios provados plenamente por prova directa, uma pluralidade de indícios ligados entre si, existindo nexo, directo, coerente, lógico e racional que permitia concluir, sem qualquer dúvida, da prática dos factos ilícitos que vêm imputados.
Tal já assim não será quando o que esteja em apreço sejam duas versões contraditórias da mesma factualidade, tendo o tribunal decisor de, com base na prova efetivamente produzida, sustentar a sua decisão, sem preferência de credibilidade por uma ou outra versão trazida a juízo, pois que de contrário se abriria espaço a uma subjetividade e arbitrariedade que a legislação contraria, seja pelas garantias de imparcialidade e isenção, seja pela aplicação dos princípio do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova.
O princípio in dubio pro reo encontra-se consagrado nos arts. 32º, nº.2 da Constituição da República Portuguesa; art. 11º, nº.1 da DUDH, de 10 de Dezembro de 1948, aplicável por via do art. 16º, nº.2 da CRP, art. 14º, nº.2 do PIDCP de 1976 (Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), aprovado para ratificação pela Lei nº. 29/78, de 12/06; art. 6º, nº. 2 da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem), aprovada para ratificação pela Lei nº. 65/78 de 13/10 e art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de 1789, decorrente da Revolução Francesa (cfr. Cfr. Souto Moura, “A questão da Presunção de Inocência do Arguido”, pg. 31 e ss.; Rui Patrício, estudo “O princípio da presunção da Inocência do Arguido na Fase de Julgamento no actual Processo Penal Português” (2000), pg. 25 e ss; M. Guedes Valente, em “Processo Penal”, Vol. I (2004), pg. 147 e ss. e, Bernard Bouloc e outros, em “Procédure Penal” (2004), pg.58 e ss.).
Este, “sendo uma emanação do princípio da presunção de inocência, surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor”, sob pena de preterição de tal mandamento”, (Cfr. Ac. TRC, de 25 de Março de 2010, processo nº. 1058/08.0 TACBR.C1, disponível in www.dgsi.pt.).
Por outro lado, a materialização de tal princípio, enquanto dirigido à apreciação dos factos objecto de um processo penal, desdobra-se em dois vectores essenciais:
a) O ónus probatório da imputação de factos ou condutas que integram um ilícito cabe a quem acusa;
b) Em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos descritos na acusação ou na pronúncia, o Tribunal deve decidir a favor do arguido.
De acordo com o decidido no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Novembro de 1998, “Se, por força da presunção de inocência só podem dar-se por provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando eles se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável”, por isso “No caso de dúvida insanável sobre se se verificaram ou não determinados factos que implicam, por exemplo, a invalidade das provas obtidas contra o arguido e a consequente impossibilidade de contra ele serem utilizadas, a dúvida deve ser resolvida a favor deste, dando como provada a verificação de tais factos, ainda e sempre por obediência ao principio do in dubio pro reo”, (cfr. BMJ: 481º – 265).
Já quanto à livre apreciação da prova, dispõe o artigo 127º do C.P.P que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”,
Sendo certo que, “…. a livre apreciação da prova a que alude o artigo 127º do C.P.P. não é reconduzível a um íntimo convencimento, a um convencimento meramente subjectivo, sem possibilidade de justificação objectiva, mas a uma liberdade de apreciação no âmbito das operações lógicas probatórias que sustentem um convencimento qualificado pela persuasão racional do juízo e que, por isso, também externamente possa ser acompanhado no seu processo formativo segundo o princípio da publicidade da actividade probatória”
Nem corresponde a um “ … livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos; dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável…”, (cfr. Ac. STJ, 4 de Novembro de 1998; CJ, Acs. STJ, VI, tomo 3, 201).
Tal como ensina Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 19ª Edição Actualizada (Setembro 2007), anotação 9 do artigo 655º, “embora visando o princípio da livre apreciação da prova em processo penal, têm plena pertinência, em sede de jurisdição cível, os considerandos produzidos no Acórdão nº. 1165/96 do Tribunal Constitucional, de 19.11.1996 (DR, II Série, de 06.02.1997, pg. 1571), os quais, na prática judiciária comum, nem sempre são atendidos: «O actual sistema da livre apreciação da prova não deve definir-se negativamente pela ausência das regras e critérios legais predeterminantes do seu valor, havendo antes de se destacar o seu significado positivo».
Acompanhando Figueiredo Dias, ob. cit., dir-se-à que “o princípio não pode de modo algum parecer querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a “verdade material” – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)”.
Assim, como igualmente ensina Germano Marques da Silva, “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”, (cfr. “Curso de Processo Penal II”, págs. 111 e 112),
Sendo que “O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência”, sendo que “a objectividade que aqui importa não é a objectividade científica (sistemático – conceptual e abstracto – generalizante), é antes uma racionalização de índole prático – histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, e que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada, sem dúvida por um momento pessoal)”.
Por assim ser, não é lícito ao tribunal decisor que analise os indícios do caso concreto e forme a sua convicção num sentido que a prova não os aponta, o que, a verificar-se viola os princípios e garantias supra mencionados, colocando em crise a segurança e estabilidade jurídicas, e a cuja salvaguarda deverá apelar-se por recurso aos demais meios judiciais disponíveis, nomeadamente recursos.

Autora: Dra. Diana Reis
Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (pré-Bolonha). Distinguida com o Prémio “3% Melhores Alunos” da Universidade de Coimbra.